As palavras são como vinho, é preciso beber para sabê-las. Mas, não é tão simples, é preciso antes aprender a bebê-las, degustá-las,descobrir os seus becos, seus meandros, seus aromas secretos de palavras, saber esperar a sua hora minúscula, oculta, seus caramelos congelados que esperam a chegada da primavera para transformar-se de novo em palavras pétreas e poder significar.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O Deserto II





Eu fui recolher as monções inúteis
  dos teus lugares
meus fluidos, obcecados, esvairam-se.
Um dia quis teus motivos, teu querer
rastejei em ti, tua sombra, te compus
  e vomitei tua ausência
  de bêbado e louco em teu veneno.

De onde brotam os cactos espumosos
  da tua ausência
 eu vim um dia, em vento
  tocando as hastes tenras 
  do teu deserto
  teus espinhos e teus mistérios.

Empenhei-me em teus cristais ocultos
  tua procura
  extraí-me à horda e trouxe rios
  para encher teus vácuos 
  escaldantes.

Eu fui humano em ti, fui húmus
e em mim amaste o êxodo
  dos meus presságios
  a umidade e o terror -
  efígie do impossível ...

E em mim amaste a natureza
e as eras que nos uniram 
  até aqui.

Vigia agora meu espaço
  desde veios de tempo
  veio minha turva história



Vigia agora minhas leis intranqüilas
  minha massa disforme
  e os hilos do meu peito
suportando a gênese dos meus ancestrais

Vigia agora o espaço mudo
onde interpõem-se os elementos
  do meu ciclo
por onde romperam-se os 
  elos de aço do teu olhar

Eu, que compus com a lágrima
  da minha ira
o traço negro dessa noite
porque em ti, eu fui apenas

  o assombro que não te povoou.

Marcello - Pelotas/RS (1998)

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Quem sou eu

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Pelotas, RS, Brazil
Quem sou eu? Pois começo a pensar: como Leolo, não o sou, porque eu sonho. Parce que moi, je rêve. Je ne le suis pas. Abdico do reinado de ser para estar um rio: um poderoso rio castanho, taciturno, indômito e intratável... O aroma das uvas sobre a mesa de outono. O seu estuário onde a estrela-do-mar, o caranguejo e o espinhaço da baleia são arremessados para a pulsação da terra. Tudo tange e vibra. Fora isso, há esse tempo de agora, ex nihilo, mastigando algum pedaço de silêncio enquanto a poesia vibra. Desse mim, não há muito o que dizer, mas certamente há muito o que inventar.

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