As palavras são como vinho, é preciso beber para sabê-las. Mas, não é tão simples, é preciso antes aprender a bebê-las, degustá-las,descobrir os seus becos, seus meandros, seus aromas secretos de palavras, saber esperar a sua hora minúscula, oculta, seus caramelos congelados que esperam a chegada da primavera para transformar-se de novo em palavras pétreas e poder significar.

sábado, 27 de junho de 2009

A Tua Presença Morena






A tua presença
Entra pelos sete buracos da minha cabeça
A tua presença
Pelos olhos, boca, narinas e orelhas
A tua presença
Paralisa meu momento em que tudo começa
A tua presença
Desintegra e atualiza a minha presença
A tua presença
Envolve meu tronco, meus braços e minhas pernas
A tua presença
É branca verde, vermelha azul e amarela
A tua presença
É negra, negra, negra
Negra, negra, negra 
Negra, negra, negra
A tua presença
Transborda pelas portas e pelas janelas
A tua presença
Silencia os automóveis e as motocicletas
A tua presença
Se espalha no campo derrubando as cercas
A tua presença
É tudo que se come, tudo que se reza
A tua presença
Coagula o jorro da noite sangrenta
A tua presença é a coisa mais bonita em toda a natureza
A tua presença
Mantém sempre teso o arco da promessa
A tua presença
Morena, morena, morena
Morena, morena, morena
Morena 



Caetano Veloso

sexta-feira, 26 de junho de 2009


"Em Lagos em Agosto o sol cai a direito e há sítios onde até o chão é
caiado. O sol é pesado e a luz leve. Caminho no passeio rente ao muro mas
não caibo na sombra. A sombra é uma fita estreita. Mergulho a mão na sombra
como se a mergulhasse na água.
A loja dos barros fica numa pequena rua do outro lado da praça. Fica depois
da taberna fresca e da oficina do ferreiro.
Entro na loja dos barros. A mulher que os vende é pequena e velha, vestida
de preto. Está em frente de mim rodeada de ânforas. À direita e à esquerda o
chão e as prateleiras estão cobertos de louças alinhadas, empilhadas e
amontoadas: pratos, bilhas, tigelas, ânforas. Há duas espécies de barro:
barro cor-de-rosa pálido e barro vermelho-escuro. Barro que desde tempos
imemoriais os homens aprenderam a modelar numa medida humana. Formas que
através dos séculos vêm de mão em mão. A loja onde estou é como uma loja de
Creta. Olho as ânforas de barro pálido poisadas em minha frente no chão.
Talvez a arte deste tempo em que vivo me tenha ensinado a olhá-las melhor.
Talvez a arte deste tempo tenha sido uma arte de ascese que serviu para
limpar o olhar.
A beleza da ânfora de barro pálido é tão evidente, tão certa que não pode
ser descrita. Mas eu sei que a palavra beleza não é nada, sei que a beleza
não existe em si mas é apenas o rosto, a forma, o sinal de uma verdade da
qual ela não pode ser separada. Não falo de uma beleza estética mas sim de
uma beleza poética.
Olho para a ânfora: quando a encher de água ela me dará de beber. Mas já
agora ela me dá de beber. Paz e alegria, deslumbramento de estar no mundo,
religação.
Olho para a ânfora na pequena loja dos barros. Aqui paira uma doce penumbra.
Lá fora está o sol. A ânfora estabelece uma aliança entre mim e o sol.
Olho para a ânfora igual a todas as outras ânforas, a ânfora inumeravelmente
repetida mas que nenhuma repetição pode aviltar porque nela existe um
princípio incorruptível.
Porém, lá fora na rua, sob o peso do mesmo sol, outras coisas me são
oferecidas. Coisas diferentes. Não têm nada de comum nem comigo nem com o
sol. Vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada. Mundo que não está
religado nem ao sol nem à lua, nem a Ísis, nem a Deméter, nem aos astros,
nem ao eterno. Mundo que pode ser habitat mas não é um reino.
O reino agora é só aquele que cada um por si mesmo encontra e conquista, a
aliança que cada um tece.
Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da
noite, na pureza da cal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão.
Semelhante ao corpo de Orfeu dilacerado pelas fúrias este reino está
dividido. Nós procuramos reuni-lo, procuramos a sua unidade, vamos de coisa
em coisa.
É por isso que eu levo a ânfora de barro pálido e ela é para mim preciosa.
Ponho-a sobre o muro em frente do mar. Ela é ali a nova imagem da minha
aliança com as coisas. Aliança ameaçada. Reino que com paixão encontro,
reúno, edifico. Reino vulnerável. Companheiro mortal da eternidade."

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O Menestrel





"Você aprende .....

......Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos, e que presentes não são promessas.

Começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança; aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.
Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo, e aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... Aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai ferí-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.
Aprende que falar pode aliviar dores emocionais, e descobre que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida...
Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias, e o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida, e que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que eles mudam; percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.
Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas; pode ser a última vez que as vejamos. Aprende que as circunstâncias e os ambientes tem influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.
Começa a aprender que não se deve compará-lo com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.Aprende que não importa onde já chegou, mas onde se está indo, mas se você não sabe para onde está indo qualquer lugar serve. Aprende que ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados. Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências. Aprende que paciência requer muita prática.
Descobre que algumas vezes a pessoa que você espera que o chute quando você cai é uma das poucas que o ajudam a levantar-se; aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas do que com quantos aniversários você celebrou; aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha; aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens; poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.Aprende que quando se está com raiva se tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém; algumas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo. Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado. Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás, portanto, plante seu jardim e decore sua alma ao invés de esperar que alguém lhe traga flores, e você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
Descobre que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida!
Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar. "


------ WiLLiam Shakespeare ------

terça-feira, 23 de junho de 2009

Love Of My Life - Queen


Love of my life, you've hurt me
You've broken my heart, now you leave me.
Love of my life can't you see,

Bring it back bring it back,
Don't take it away from me,
Because you don't know
What it means to me.

Love of my life don't leave me,
You've taken my love, you now desert me,
Love of my life can't you see,

Bring it back bring it back,
Don't take it away from me,
Because you don't know
What it means to me.

You will remember
When this is blown over,
And everythings all by the way,
When I grow older,
I will be there at your side,
To remind you how I still love you
I still love you.

Back hurry back
Please bring it back home to me
Because you don't know
What it means to me
Love of my life
Love of my life
Yeah

Queen

Composição: Freddie Mercury

Fernando Pessoa - Primeiro Fausto (Primeiro Tema: Mistério do Mundo)










I

Quero fugir ao mistério 
Para onde fugirei? 
Ele é a vida e a morte 
Ó Dor, aonde me irei?


II

O mistério de tudo 
Aproxima-se tanto do meu ser, 
Chega aos olhos meus d'alma tão [de] perto, 
Que me dissolvo em trevas e universo... 
Em trevas me apavoro escuramente.

III

O perene mistério, que atravessa 
Como um suspiro céus e corações...

IV

O mistério ruiu sobre a minha alma 
E soterrou-a... Morro consciente!

V

Acorda, eis o mistério ao pé de ti! 
E assim pensando riu amargamente, 
Dentro em mim riu como se chorasse!

VI

Ah, tudo é símbolo e analogia! 
O vento que passa, a noite que esfria, 
São outra coisa que a noite e o vento — 
Sombras de vida e de pensamento. 

Tudo o que vemos é outra coisa. 
A maré vasta, a maré ansiosa, 
É o eco de outra maré que está 
Onde é real o mundo que há. 

Tudo o que temos é esquecimento. 
A noite fria, o passar do vento, 
São sombras de mãos, cujos gestos são 
A ilusão madre desta ilusão.

VII

Mundo, confranges-me por existir. 
Tenho-te horror porque te sinto ser 
E compreendo que te sinto ser 
Até às fezes da compreensão. 

Bebi a taça [...] do pensamento 
Até ao fim; reconhecia pois 
Vazia, e achei horror. 

Mas eu bebi-a. 
Raciocinei até achar verdade, 
Achei-a e não a entendo. Já se esvai 
Neste desejo de compreensão, 
Inalteravelmente, 

Neste lidar com seres e absolutos, 
O que em mim, por sentir, me liga à vida 
E pelo pensamento me faz homem. 

E neste orgulho certo 
Fechado mais ainda e alheado 
Me vou, do limitado e relativo 
Mundo em que arrasto a cruz do meu pensar.

VIII

Cidades, com seus comércios... 

Tudo é permanentemente estranho, mesmamente 
Descomunal, no pensamento fundo; 
Tudo é mistério, tudo é transcendente 
Na sua complexidade enorme: 
Um raciocínio visionado e exterior, 
Uma ordeira misteriosidade — 
Silêncio interior cheio de som.

IX

Já estão em mim exaustas, 
Deixando-me transido de terror, 
Todas as formas de pensar [...] 
O enigma do universo. Já cheguei 
A conceber, como requinte extremo 
Da exausta inteligência, que era Deus... 

Já cheguei a aceitar como verdade 
O que nos dão por ela, e a admitir 
Uma realidade não real 
Mas não sonhada, [como o] Deus Cristão. 

Falhados pensamentos e sistemas 
Que, por falharem, só mais negro fazem 
O poder horroroso que os transcende 
A todos, [sim,] a todos. 
Oh horror! Oh mistério! Oh existência!

X

O segredo da Busca é que não se acha. 
Eternos mundos infinitamente, 
Uns dentro de outros, sem cessar decorrem 
Inúteis; Sóis, Deuses, Deus dos Deuses 

Neles intercalados e perdidos 
Nem a nós encontramos no infinito. 
Tudo é sempre diverso, e sempre adiante 
De [Deus] e Deuses: essa, a luz incerta 
Da suprema verdade. 

XI

Nos vastos céus estrelados 
Que estão além da razão, 
Sob a regência de fados 
Que ninguém sabe o que são, 
Ha sistemas infinitos, 
Sóis centros de mundos seus, 

E cada sol é um Deus. 
Eternamente excluídos 
Uns dos outros, cada um 
É universo.

XII

Num atordoamento e confusão 
Arde-me a alma, sinto nos meus olhos 
Um fogo estranho, de compreensão 
E incompreensão urdido, enorme 
Agonia e anseio de existência, 
Horror e dor, [agonia] sem fim!

XIII

Fantasmas sem lugar, que a minha mente 
Figura no visível, sombras minhas 
Do diálogo comigo.

XIV

Não, não vos disse ... A essência inatingível 
Da profusão das coisas, a substância, 
Furta-se até a si mesma. Se entendesses 
Neste ou naquele modo o que vos disse, 
Não o entendesses, que lhe falta o modo 
Por que se entenda.

XV

Do eterno erro na eterna viagem, 
O mais que [exprime] na alma que ousa, 
É sempre nome, sempre linguagem, 
O véu e capa de uma outra cousa. 

Nem que conheças de frente o Deus, 
Nem que o Eterno te dê a mão, 
Vês a verdade, rompes os véus, 
Tens mais caminho que a solidão. 

Todos os astros, inda os que brilham 
No céu sem fundo do mundo interno, 
São só caminhos que falsos trilham 
Eternos passos do erro eterno. 

Volta a meu seio, que não conhece 
os deuses, porque os não vê, 
Volta a meus braços, melhor esquece 
que tudo só fingir que é.

XVI

Ondas de aspiração [...] 
Sem mesmo o coração e alma atingir 
Do vosso sentimento; ondas de pranto, 
Não vos posso chorar, e em mim subis, 

Maré imensa, numerosa e surda, 
Para morrer da praia no limite 
Que a vida impõe ao Ser; ondas saudosas 
De algum mar alto aonde a praia seja 

Um sonho inútil, ou de alguma terra 
Desconhecida mais que o eterno [amor] 
De eterno sofrimento, e aonde formas 
Dos olhos de alma não imaginadas 

Vogam essências [...] 
Esquecidas daquilo que chamamos 
Suspiros, lágrimas, desolação; 
[Ondas] nas quais não posso visionar 

Nem dentro em mim, em sonho, [barco] ou ilha, 
Nem esperança transitória, nem 
Ilusão nada da desilusão; 
Oh, ondas sem brancuras nem asperezas, 

Mas redondas, como óleos, e silentes 
No vosso intérmino e total rumor — 
Oh, ondas das almas, decaí em lago 
Ou levantai-vos ásperas e brancas 
Com o sussurro ácido da esperança ... 
Erguei em tempestades a minha alma! 

Não haverá, Além da morte e da imortalidade, 
Qualquer coisa maior? Ah, deve haver 
Além da vida e morte, ser, não ser, 
Um inominável supertranscendente, 
Eterno incógnito e incognoscível! 
Deus? Nojo. Céu, inferno? Nojo, nojo. 
Pr'a que pensar, se há de parar aqui 
O curto vôo do entendimento? 
Mais além! Pensamento, mais além!

XVII

Paro à beira de mim e me debruço... 
Abismo... E nesse abismo o Universo. 
Com seu tempo e seu 'spaço, é um astro, e nesse 
Alguns há, outros universos, outras 
Formas do Ser com outros tempos, 'spaços 
E outras vidas diversas desta vida... 
O espírito é outra estrela. . . O Deus pensável 
É um sol... E há mais Deuses, mais espíritos 
De outras essências de Realidade ... 
E eu precipito-me no abismo, e fico 
Em mim... E nunca desço ... E fecho os olhos 
E sonho — e acordo para a Natureza 
Assim eu volto a mim e à Vida 

Deus a si próprio não se compreende. 
Sua origem é mais divina que ele, 
E ele não tem a origem que as palavras 
Pensam fazer pensar... 

O absatrato Ser [em sua] abstrata idéia 
Apagou-se, e eu fiquei na noite eterna. 
Eu e o Mistério — face a face...

XVIII

No meu abismo medonho 
Se despenha mudamente 
A catarata de sonho 
Do mundo eterno e presente. 
Formas e idéias eu bebo, 
E o mistério e horror do mundo 
Silentemente recebo 
No meu abismo profundo. 

O Ser em si nem é o nome 
Do meu ser inenarrável; 
No meu mudo Maëlstrom 
O grande mundo inestável 
Como um suspiro se apaga 
E um silêncio mais que infindo 
Acolhe o acorrer do vago 
Que em mim se vai esvaindo. 

Por mais que o Ser, que transcende 
Criatura e Criador, 
Se esse Ser ninguém entende 
Ele, a mim e ao meu horror, 
Menos. Vida, pensamento, 
Tudo o que nem se adivinha, 
É tudo como um momento 
Numa eternidade minha.

XIX

Abre-me o sonho 
Para a loucura a tenebrosa porta, 
Que a treva é menos negra que esta luz. 

O terror desvaria-me, o terror 
De me sentir viver e ter o mundo 
Sonhado a laços de compreensão 
Na minha alma gelada.

XX

A qualquer modo todo escuridão 
Eu sou supremo. Sou o Cristo negro. 
O que não crê, nem ama — o que só sabe 
O mistério tornado carne. 
Há um orgulho atro que me diz 
Que Sou Deus inconscienciando-me 
Para humano; sou mais real que o mundo, 
Por isso odeio-lhe a existência enorme, 
O seu amontoar de coisas vistas. 
Como um santo devoto 
Odeio o mundo, porque o que eu sou 
E que não sei sentir que sou, conhece-o 
Por não real e não ali. 
Por isso odeio-o — 
Seja eu o destruidor! Seja eu Deus ira!

XXI

Sou a Consciência em ódio ao inconsciente, 
Sou um símbolo incarnado em dor e ódio, 
Pedaço de alma de possível Deus 
Arremessado para o mundo 
Com a saudade pávida da pátria... 

Ó sistema mentido do universo, 
Estrelas nadas, sóis irreais, 
Oh, com que ódio carnal e estonteante 
Meu ser de desterrado vos odeia! 
Eu sou o inferno. Sou o Cristo negro, 
Pregado na cruz ígnea de mim mesmo. 
Sou o saber que ignora, 
Sou a insônia da dor e do pensar

XXII

Ah, não poder tirar de mim os olhos, 
Os olhos da minha alma [...] 
(Disso a que alma eu chamo) 
Só sei de duas coisas, nelas absorto 
Profundamente: eu e o universo, 
O universo e o mistério e eu sentindo 
O universo e o mistério, apagados 
Humanidade, vida, amor, riqueza. 

Oh vulgar, oh feliz! Quem sonha mais, 
Eu ou tu? Tu que vives inconsciente, 
Ignorando este horror que é existir, 
Ser, perante o [profundo] pensamento 
Que o não resolve em compreensão, tu 
Ou eu, que analisando e discorrendo 
E penetrando [...] nas essências, 
Cada vez sinto mais desordenado 
Meu pensamento louco e sucumbido. 
Cada vez sinto mais como se eu, 
Sonhando menos, consciência alerta 
Fosse apenas sonhando mais profundo

XXIII

Ah, que diversidade, 
E tudo sendo. O mistério do mundo, 
O íntimo, horroroso, desolado, 
Verdadeiro mistério da existência, 
Consiste em haver esse mistério.

XXIV

Essa simplicidade d'alma 
Possuída não só dos inocentes 
Mas até dos viciosos, criminosos... 
essa simplicidade 
Perdi-a, e só me resta um vácuo imenso 
Que o pensamento friamente ocupa.

XXV

Tremo de medo: 
Eis o segredo aberto. 
Além de ti 
Nada há, decerto, 
Nem pode haver 
Além de ti, 
Que [só] tens essência 
Nem tens existência 
E te chamas [...] Ser.

XXVI

Mais que a existência 
É um mistério o existir, o ser, o haver 
Um ser, uma existência, um existir — 
Um qualquer, que não este, por ser este — 
Este é o problema que perturba mais. 
O que é existir — não nós ou o mundo 
Mas existir em si?

XXVII

Não é a dor de já não poder crer 
Que m'oprime, nem a de não saber, 
Mas apenas [e mais] completamente o horror 
De ter visto o mistério frente a frente, 
De tê-lo visto e compreendido em toda 
A sua infinidade de mistério. 
É isto que me alheia, que me [traz] 
Sempre mostrado em mim como um terror 
E maior terror há-o?

XXVIII

Para mim ser é admirar-me 
de estar sendo.

XXIX

Há entre mim e o real um véu 
A própria concepção impenetrável. 
Não me concebo amando, combatendo, 
Vivendo com os outros. Há, em mim, 
Uma impossibilidade de existir 
De que [abdiquei], vivendo.

XXX

Tornei minha alma exterior a mim.

XXXI

Tarde! Não poder 
Adivinhar o teu segredo 
E o teu mistério ilúcido. Ignorar 
Esta emoção, 
Vaga desesperança quase amarga, 
Da sensação que dás.

XXXII

Qu'importa? Tudo é o mesmo. A mim quer seja 
Manhã inda d'orvalho arrepiada, 
Dia, ligeiro ao sol, pesado em nuvens, 
A tarde, 
A noite misteriosa, 
Tudo, se nele penso, só me amarga 
E me angustia.

XXXIII

Acordado, abro os olhos. 
Vivo! Sou vivo ainda! Torno a ver-te, 
Pálida luz, silente luz da tarde, 
Que ora me [enches] de um cálido horror! 
Onde estou? Onde estive? Ferve em mim, 
Numa quietação indefinida, 
Um eco de tumultos e de sombras 
E uma coorte como de fantasmas 
[Gritantes]. E luzes, cantos, gritos, 
Desejos, lágrimas, chamas e corpos, 
Num referver [tumultuoso] e misturado, 
Numa esvaída confusão noturna — 
Como tendo piedade de deixar-me — 
Sinto passar em mim, como visões. 
Nem com esforço recordar-me posso 
Se são fantasmas ou vagas lembranças; 
Não me lembro de vida alguma minha 
E o necessário esforço, desejado 
P'ra recordar-me, não o posso ter. 

Acabar. Nem desejo nem espero 
Nem temo, n'apatia do meu ser. 
Para que pois viver? Quero a morte, 
E ao sentir os seus passos 
Alegremente e apagadamente 
Me voltarei lento para o seu lado, 
Deixando enfim cair sobre o meu braço 
Minha cabeça, olhos cerrados, quentes 
Do choro vago já meio esquecido. 
Mas onde estou? Que casa é esta? Quarto 
Rude, simples — não sei, não tenho força 
Para observar — quarto cheio da luz 
Escura e demorada, que na tarde 
Outrora eu... Mas que importa? A luz é tudo. 
Eu conheço-a.

XXXIV

Basta ser breve e transitória a vida 
Para ser sonho. A mim, como a quem sonha, 
E escuramente pesa a certa mágoa 
De ter que despertar — a mim, a morte, 
Mais como o horror de me tirar o sonho 
E dar-me a realidade, me apavora, 
Que como morte. Quantas vezes [quantas], 
Em sonhos vazios conscientemente 
Imerso, me não pesa o ter que ver 
A realidade e o dia! 
Sim, este mundo com seu céu e terra, 
Com seus mares e rios e montanhas, 
Com suas árvores, aves, bichos, homens, 
Com o que o homem, com translata arte, 
De qualquer construção divina, fez 
— Casas, cidades, coisas, modas [...] —, 
Este mundo, que [nunca] reconheço, 
Por sonho amo, e por ser sonho o [quero] 
Ou [tenho] que deixá-lo e ver verdade, 
— Me toma a gorja, com horror de negro, 
O pensamento da hora inevitável, 
E a verdade da morte me confrange. 
Pudesse eu, sim, pudesse, eternamente 
Alheio ao verdadeiro ser do mundo, 
Viver sempre este sonho que é a vida! 
Expulso embora da divina essência, 
Ficção fingindo, vã mentira eterna, 
Alma-sonho, que eu nunca despertasse! 
Suave me é o sonho, e a vida [...] é sonho. 
Temo a verdade e a verdadeira vida. 
Quantas vezes, pesada a vida, busco 
No seio maternal da noite e do erro, 
O alívio de sonhar, dormindo; e o sonho 
Uma perfeita vida me parece 
[...] ..., e porventura 
Porque depressa passa. E assim é a vida.

XXXV

E o sentimento de que a vida passa 
E o senti-la passar 
Toma em mim tal intensidade, 
De desolado e confrangido horror, 
Que a esse próprio horror, horror eu tenho 
Por ele e por senti-lo, 
E por senti-lo como tal.

XXXVI

Aborreço-me da possibilidade 
De vida eterna; o tédio 
De viver sempre deve ser imenso. 
Talvez o infinito seja isso... 
Já o tédio de o pensar é horroroso.


"Havia, em algum lugar, um parque cheio de pinheiros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse cercar de calor o meu corpo, nem me abrigar; reduzida apenas a um sonho, bastava que ela existisse para que a minha noite fosse cheia de sua presença. Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava. Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio da fragrância dos seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam animado." 
  
(Antoine de Saint-Éxupèry)

Por você


Por você eu dançaria tango no teto,
Eu limparia os trilhos do metrô,
Eu iria a pé do Rio a Salvador...

Eu aceitaria a vida como ela é,
Viajaria a prazo pro inferno,
Eu tomaria banho gelado no inverno.

Por você... Eu deixaria de beber,
Por você... Eu ficaria rico num mês,
Eu dormiria de meia pra virar burguês.

Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher...

Por você... Por você...
Por você... Por você...

Por você,

Conseguiria até ficar alegre,
Pintaria todo o céu de vermelho,
Eu teria mais herdeiros que um coelho.

Eu aceitaria a vida como ela é,
Viajaria à prazo pro inferno,
Eu tomaria banho gelado no inverno.

Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher.

Por você... Por você...
Por você... Por você...

Eu mudaria até o meu nome,
Eu viveria em greve de fome,
Desejaria todo o dia a mesma mulher...

Por você.... Por você...
Por você.... Por você...

Por você.... Por você...

Por você.... Por você...

Frejat

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Enquanto Ela Não Chegar



Quantas coisas eu ainda vou provar?
E quantas vezes para porta eu vou olhar?
Quantos carros nessas ruas vão passar?
Enquanto ela não chegar

Quantos dias eu ainda vou esperar?
E quantas estrelas eu vou tentar contar?
E quantas luzes na cidade vão se apagar?
Enquanto ela não chegar

Eu tenho andado tão sozinho,
que eu nem sei no que acreditar
E a paz que busco agora
nem a dor vai me negar.

Não deixe o Sol morrer
Errar é aprender
Viver é deixar viver.

Quantas besteiras eu ainda vou pensar
E quantos sonhos do tempo vão se esfarelar
Quantas vezes eu vou me criticar
Enquanto ela não chegar

Eu tenho andado tão sozinho,
que eu nem sei no que acreditar
E a paz que busco agora
nem a dor vai me negar.

Não deixe o Sol morrer
Errar é aprender
Viver é deixar viver. 


Frejat

Quando Você Não Está Por Perto


Eu quero ficar nu diante dos seus olhos
Falar bem perto do seu ouvido
Decifrar tua alma e os gemidos
Temos tempo pra viver
Quero descobrir o amor de novo
Encontrar em alguém o que eu procuro
Livrar o amor do escuro
E destruir o muro
Que cerca meu coração

Refrão:
Vai ser bom pra mim
Ficar só é tão ruim
Vai ser bom pra mim
Ficar só é tão ruim

Refrão

A vida me sorriu, permitiu você nascer
Estrela pra dar sorte
Por tudo o que a gente fez
É pura tua luz, teu rosto, teu olhar
Quando você está longe
A mim só resta lembrar

Quando você não está por perto 

Meu mundo é um deserto no frio

Frejat

Amor pra recomeçar


Eu te desejo
Não parar tão cedo
Pois toda idade tem
Prazer e medo...

E com os que erram
Feio e bastante
Que você consiga
Ser tolerante...

Quando você ficar triste
Que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra
Que rir é bom
Mas que rir de tudo
É desespero...

Desejo!
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor
Prá recomeçar
Prá recomeçar...

Eu te desejo muitos amigos
Mas que em um
Você possa confiar
E que tenha até
Inimigos
Prá você não deixar
De duvidar...

Quando você ficar triste
Que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra
Que rir é bom
Mas que rir de tudo
É desespero...

Desejo!
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor
Prá recomeçar
Prá recomeçar...

Eu desejo!
Que você ganhe dinheiro
Pois é preciso
Viver também
E que você diga a ele
Pelo menos uma vez
Quem é mesmo
O dono de quem...

Desejo!
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor
Prá recomeçar...

Eu desejo!
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor
Prá recomeçar
Prá recomeçar

Prá recomeçar...

Frejat

Túnel do Tempo



Nosso encontro aconteceu como eu imaginava 
Você não me reconheceu, mas fingiu que não era nada 
Eu sei que alguma coisa minha, em você ficou guardada 
Como num filme mudo antes da invenção das palavras 

Afinei os meus ouvidos pra escutar suas chamadas 
Sinais do corpo eu sei ler nas nossas conversas demoradas 
Mas há dias em que nada faz sentido 
E o sinais que me ligam ao mundo se desligam 

Eu sei que uma rede invisível irá me salvar 
O impossível me espera do lado de lá 
Eu salto pro alto eu vou em frente 
De volta pro presente 

Sozinho no escuro nesse túnel do tempo 
Sigo o sinal que me liga à corrente dos sentimentos 
Onde se encontra a chave que me devolverá 
O sentido das palavras ou uma imagem familiar 
Mas há dias em que nada faz sentido 
E os sinais que me ligam ao mundo se desligam 

Eu sei que uma rede invisível irá me salvar 
O impossível me espera do lado de lá 
Eu salto pro alto eu vou em frente 

De volta pro presente...

Frejat

sexta-feira, 19 de junho de 2009

O amor é um cão dos diabos


como ser um grande escritor

você tem que trepar com um grande número de mulheres
belas mulheres
e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.

e não se preocupe com a idade
e/ou com os talentos frescos e recém-chegados.

apenas beba mais cerveja
mais e mais cerveja

e vá às corridas pelo menos uma vez por
semana

e vença
se possível.

aprender a vencer é difícil -
qualquer frouxo pode ser um bom perdedor.

e não se esqueça do Brahms
e do Bach e também da sua
cerveja.

não exagere no exercício.

durma até o meio-dia.

evite cartões de crédito
ou pagar qualquer conta
no prazo.

lembre-se que nenhum rabo no mundo
vale mais do que 50 pratas.
(em 1977).

e se você tem a capacidade de amar
ame primeiro a si mesmo
mas esteja sempre alerta para a possibilidade de uma
derrota total
mesmo que a razão para essa derrota
pareça certa ou errada -

um gosto precoce de morte não é necessariamente
uma coisa má.

fique longe de igrejas e bares e museus,
e como a aranha seja
paciente -
o tempo é a cruz de todos,
mais o
exílio
a derrota
a traição

todo este esgoto.

fique com a cerveja.

a cerveja é o sangue contínuo.

uma amante contínua.

arranje uma grande máquina de escrever
e assim como os passos que sobem e descem
do lado de fora de sua janela
bata na máquina
bata forte

faça disso um combate de pesos pesados

faça como o touro no momento do primeiro ataque

e lembre dos velhos cães
que brigavam tão bem:
Hemingway, Céline, Dostoiévski, Hamsun.

se você pensa que eles ficaram loucos
em quartos apertados
assim como este em que agora você está

sem mulheres
sem comida
sem esperança

então você não está pronto.

beba mais cerveja.
há tempo.
e se não há
está tudo certo
também.


(Charles Bukowski, in O amor é um cão dos diabos)

Martha Medeiros


82.

nós que nos amávamos tanto
hoje estamos tão longe
sem rima, sem sono
nem lembro
de como eu te achava estranho

_________________________


165.


ele prefere as nórdicas
as ricas, as putas
as filhas das tias
letradas, peitudas
alunas da puc
solteiras, taradas
mulheres pudicas
peludas, escravas
as boas de cama
mulatas, mineiras
as freiras da itália
escocesas, peladas
as bem mal-amadas
aquelas que dizem te amo
e mais nada

________________________


178.

toda mulher tem um homem que se foi
um homem que a deixou por outra
um homem que a deixou por um câncer
um homem que nem mesmo a notou
um homem que a deixou por um ideal
um homem que sumiu num temporal
um homem que não passou de dois drinques
toda mulher tem um homem que se foi
um homem que foi pego em flagrante
um homem que prometeu um brilhante
um homem que saiu para jogar
toda mulher tem um homem
que esqueceu de voltar

ROMANCE SOMNÁMBULO


 

a Gloria Giner e Fernando de los Ríos

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el cabalo en la montaña.

Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
Pero ¿quién vendrá? ¿Y por dónde...?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde
soñando en la mar amarga.

- Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
-Si yo pudiera, mocito,
ese trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
-Compadre, quiero morir
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
- Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
-Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas.
¡Dejadme subir!, dejadme,
hasta las verdes barandas.
Barandales de la lua
por donde retumba el agua.

Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo vento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
¡Compadre! ¿Dónde está, dime
dónde está tu niña amarga?
¡Quantas veces te esperó!
¡Quantas veces te esperara
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que ti quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar.

Y el caballo en la montaña.

Federico García Lorca

quinta-feira, 18 de junho de 2009

PORTO - SUL



 

  I




Queria nesses dias frios
um poema teu estendido sob a mesa
como uma flor de silêncio
calando os gritos da alma
e que me falasse de retorno
porque a saudade veio em mim
como um pássaro de agonia
devorando os meus ossos cansados.

Um poema teu que me fizesse chorar
e me incendiasse as veias
e que nele eu pudesse habitar
e sibilando as coisas lidas pelo ar
não como quem vai, mas como quem fica
nessa distância inaudita que há entre o ser e o estar
nas lembranças, me pusesse soprando as palavras ditas
e esquecesse ...


E como quem gasta naus pelo vento
Iria soltá-las a ti, ao ar, para nada,
nada que não fosse além de olhar
e ficar te esculpindo no ar
- como quem olha e não vê o que quer ver -
como te olho agora
eu, que não soube te dizer 
no momento pequeno de antes
quando ainda éramos corpos crus e almas misturadas
mas o sei agora, e não sei ao mesmo
porque não sei o que sou agora
e estou no meio do silêncio do que não é:
este poema escrito no ficar - 
e tristo ...









  II





Quis te trazer um poema místico, mítico, mágico, alegre
para que te deixasses inundar
como me inundo em ti, ao te sentir
mas sem te saber, sabendo apenas o que de ti, em mim pressinto
porque não te soube encontrar no momento de antes.

Como quem lê um poema e o esquece no ar
que no entender da sombra que nele há
dormem letras azuis de alma obscura
de algum poeta talvez ...

Como naus
que esqueceram o Porto e ficam, na distância
ao léu, ao sol, no ar, no Sul,
secando transparentes ...




 
  III





Quis te trazer um poema doce
para que me amasses, me amavisses, de longe
por essas falas abandonadas que escrevo com medo
trouxe-te essas frases tão amargas
que se desprenderam de mim
como quem perde o olhar
para achá-lo no distar
do que ainda não supõe mas sabe que há.

Porque quem olha e sabe olhar 
pelo lúmen do que está
na vivez do interior das coisas
tem-se sempre em algum lugar
ou noutro um, há de sempre estar
mesmo como eu
não aqui, mas no perscrutar da palavra
que ainda não verte para ver-te ...







Trouxe de ti, de tua falta ainda
uma outra inércia de palavras 
que não se movem mais dentro de mim
e é de ti essa lenta investigação dos gestos
esse torpor pálido que me habita na noite
e me consome a chama
e me deixa refutando os teus liames 
ao mesmo tempo que te amo.
Esse vazio me trouxe tua vinda
és sangue invisível das minhas veias
és lembrança que fica doendo na pele e nos tímpanos
veio de ti o opaco, o brilho que secou
és palavras apenas ...








( ? ) Eras amor
se te movias nos meus olhos e agora nos nervos do poema
e depois te transmudaste numa noite que se dilata muda
pelas janelas da solidão da cidade
e nada mais ?

Mas isso não sei ...

Trouxe-te este poema para estar em ti
mas as palavras se debateram inúteis em mim
e não puderam emudecer a dor onde eu te esperava
essa dor que me encontrou
no lugar deserto de agora ( onde eram os teus olhos )
rutilando a paisagem que adejava nos meus horizontes ...



 
  IV





Quanta coisa cabe nesse espaço
que frio e úmido suporta o poema silencioso
o poema invisível por onde respiro um pouco
para não morrer de todo
dessa janela de onde os meus olhos escorrem
para estarem em nada
porque nesse o tempo esqueceu-se de existir
e as sombras que vejo
por trás das cinzas do Porto, esta janela
são as águas do mar, negras e profundas
ou o rio das calçadas
ou as linhas do poema, como ondas
que sustentam as velas dos meus olhos que vão distando
e o que fica, nesse Porto manso de cansaços
não tem a impetuosidade das águas onde atirarei o poema
- nau convulsa, sêmea -
que navega para além dos olhos, nos longes
desvirginando as falas silenciosas 
que dormem sob as águas, ressurgindo-as
essas que se deitam nos muros sob o frio
por ti, a emudecerem
e se debaterem nos cantos desse infinito ...




 
  V





Quis te gritar em desatino
nessa esperança ridícula que têm os condenados
que absorve os aprisionados do mar do silêncio
os poetas vis, quis te ouvir ...
mas tua boca não exprimiu som, tua boca foi também silêncio.

Mas qual, mas quê, por quê ? ...

Fiquei como quem verte suor sobre si mesmo
duvidando de mim
sabendo-me não ser o que me queria saber
exsudando o próprio grito
que morreu antes de se fazer ouvir
e me entorpeceu o peito
e me ensurdeceu as entranhas
de tão alto, de tão grave, para nada ...



 
  VI





Quis, enfim, te mutilar em mim
para desfazer-me dessa dor inútil
dessa febre misteriosa e circular
desse arfar, doença que tem
quem ausculta a própria alma
quem envenena os poros
na dor transparente, esse cristal
de quem soergue a chama
 - de quem ama -
e pede ao Porto para mentir
por não poder-se ir
e não poder sair de si, nem suportar
como quem quer morrer ...



Mas o amor não morre dessa noite comum
o amor é um silêncio que se escuta sempre
e não se pode matar com gritos, nem com poemas
é uma fera de éter, o amor
que ruge ad infinitum nas escarpas e nos abismos de quem ama.


 
  VII





( Mas que frágil é minha alma
que a mais pálida lembrança a consome
e que inútil me tenho na incerteza de Ser ).

Nada fica no lugar de tudo ...

Nesse nada que há, então
trouxe-te para perto de mim
na inscrição desse poema
na agonia desse “Porto”
onde as palavras são como ovelhas
e eu “um guardador de rebanhos” que perdeu seu cajado
a te espreitar na lembrança entre o céu e o vale
e te ver dissipar-se, mesmo que eu não queira
no silente das frases
e o abandono do meu corpo
que ficaram deste Porto


para nada ...

Marcello - Pelotas/RS (1998)

O Deserto II





Eu fui recolher as monções inúteis
  dos teus lugares
meus fluidos, obcecados, esvairam-se.
Um dia quis teus motivos, teu querer
rastejei em ti, tua sombra, te compus
  e vomitei tua ausência
  de bêbado e louco em teu veneno.

De onde brotam os cactos espumosos
  da tua ausência
 eu vim um dia, em vento
  tocando as hastes tenras 
  do teu deserto
  teus espinhos e teus mistérios.

Empenhei-me em teus cristais ocultos
  tua procura
  extraí-me à horda e trouxe rios
  para encher teus vácuos 
  escaldantes.

Eu fui humano em ti, fui húmus
e em mim amaste o êxodo
  dos meus presságios
  a umidade e o terror -
  efígie do impossível ...

E em mim amaste a natureza
e as eras que nos uniram 
  até aqui.

Vigia agora meu espaço
  desde veios de tempo
  veio minha turva história



Vigia agora minhas leis intranqüilas
  minha massa disforme
  e os hilos do meu peito
suportando a gênese dos meus ancestrais

Vigia agora o espaço mudo
onde interpõem-se os elementos
  do meu ciclo
por onde romperam-se os 
  elos de aço do teu olhar

Eu, que compus com a lágrima
  da minha ira
o traço negro dessa noite
porque em ti, eu fui apenas

  o assombro que não te povoou.

Marcello - Pelotas/RS (1998)

DESHORA



“Se é que vou entrar no deserto
desde já quero estar só”
Luis Borges

 I


Compor tua imagem
dissolvida pelo vigor do real
que invade o muro do silêncio
à minha volta
e dilui o ouvir-te.

Ser em ti o que penso ser - 
a virtude do encontro
na raiz de palavra que dissoluo
em tua espera.

Um antigo mirar imerso em mim
pensa ver-te daqui
e quer te seduzir ...


Não és aqui senão
o outro de mim ...
senão eu próprio irrealizado
pele imortal do desejo
jogo de sombra e luz
inconsciente ...

Não és aqui senão
o manifesto de um sonho
um papiro antigo
pedaço amortalhado talvez
das fraturas do que sou
a busca do que dele emana
e me foge
quando me vejo espelho
à fímbria luz das essências
convertido em nomes ...



 II


No mundo escuro dos presságios
onde as coisas não estão ainda bem nascidas
componho a tua falta: 
vômito de ausência.
Não és ainda ...
e deságuas em mim
como penso ser-te
pois que desejo o desejar em ti
com meu sangue como fosse tinta
com o azul triste dos teus olhos
como fosse meu último refúgio.

  III


Cada palavra pronunciada, protegida
recua e se volta sobre si mesma
deslocada, vence o inimigo que não temos
o veio dos nossos receios.

Como se tão bem falássemos
e pudéssemos falar
com a cabeça descoberta e nus
na grande terra em nossa volta.

Como se pudéssemos dizer
mas somos semblantes enevoados, faces duras
esculpidos pela luz do incêndio 
fraco do entardecer.

Que assim nos ocultamos todos
na atmosfera simbiótica
dos encontros e da distância
sem gesto, sem esforço, só olhar ...

Cada palavra pronunciada
cada lágrima que derruba
a solidão do mistério
cada olhar, cada mão ...
serão os aldeões da
grande tempestade da vida.
Serão o que se possui
movimentos onde tudo repousa
e o vôo é paz...
prisioneiro desde então
da criação e seu brinquedo.

 IV  


E a tua presença...

...vista aqui do meu silêncio
te descubro terra desolada
e vejo-te deserto:
espaço nítido onde dilui-se 
a minha inquietação
minerando nas sombras lentas
da tua imagem quase viva.

Queria encontrar tua presença...
esfolhando o vento ou
partindo o signo gris do céu.
Caminhando dentre
tuas areias macias
ou os sons confusos da tua fala.

Mas preso ao alvo de teus silêncios
tuas vibrações me tocam
como um pássaro cansado
e dou-te de beber, dou-te o descanso...
e ficas aqui sob o céu sem estrelas
a brilhar na minha mão
como se fosses a única luz
onde a noite se sente aquecida
e os animais do sonho
dormem tranqüilos.

Então sobrevôo o que dizes e
suspendo-me agarrado 
às tuas palavras, teu cheiro 
e as águas concêntricas do teu olhar
movimentando-se azuis
engolindo meu desespero humano.

 V


Mas caem dos meus dedos as palavras
e fico a te olhar apenas
afogado em meu silêncio
explorando tua superfície
com a fisionomia dos assombros
evaporando-se do olhar que te aproxima.

Aqui, onde sempre encontrava o mundo
invariável como as faces da tristeza
com o receio de algo impreciso
a tragédia abate-me
com o vento de suas asas gigantes
e tomba-me, transporta-me
para além do limbo do tempo.
Perdido o caminho
disperso no trajeto do acaso
me evadindo sempre na mesma 
e impossível volúpia...

Fico a admirar tua 
imagem confusa
desmanchando-se em meio às 
paredes de luz tombadas
e a noite vindo beber na minha mão
as palavras que o silêncio açoitou
diante à tua grande presença.






Marcello - Pelotas/RS (Outubro de 1996)




... porque o líquido que corre em minhas artérias
é o de tuas lágrimas tristes
e porque te amo em meu sangue
sem ser amado
na tinta de meus poemas ébrios ...
por isso deixo, às vezes
a noite fugar a minha alma  
  - desapega - 
  ...que me leve!
Aqui é qualquer lugar
aqui no peito
sem ti, nem nada ...

Marcello - Pelotas/RS (1999)

Destelar-se...





...mas fica ainda, aquilo 
que não se soube dizer
delírio insano, desespero, pânico?
Não se soube ...

Há sim, o que houve
de onde descanso da loucura do mundo
do viver humano: 
miséria e desatino contra os muros
  - um grito no absurdo -
feito de todas as minhas células
do que morre em mim
e do que em mim renasce pulsante
feito de espera e inquietação
gemendo azúlea
na comunicação distinta
das falas da turba
e vem dessa imagem
mistura de ser, haver e estar ...

Grave e silente
o som sepulto da palavra
geme nas almas da pele 
abafada, a palavra só, esquisita
cheia de transitoriedades
 e quis saber de si, quis dizer-se, aflita ...

Mas o que se está por dizer
não tem nome, nem forma, nem cor
e é feita de tanto, e de sons primitivos
decepados do silêncio das coisas
e do que me leva entregue
ao pulsar nas têmporas
e no lodo primitivo, pátio da casa vazio
grama esmaecida, praia solitária
e o estraçalhante batel das águas do mar
nas pedras da orla
e o sufocante abismo das águas
e a vertigem das alturas, o vento e o chão
da convulsão do caos ao calor do nada. 
E a palavra fria aquecendo-se em mim...

E habita além, ainda
em outros mundos, noutra vida, noutros olhos
e na semente da árvore envelhecida
caindo no chão e secando no outono
como as mágoas: frutas podres no vazio da espera ...

O que é feito da palavra?
... nasce em cinco estações
navega nos trilhos do acaso
morre em todo o abandono
e levita em corpo transparente
de opatidez irrelevada, latescente
lúgubre ?...

Inexprimível é a palavra que urge, que urra
só, sem nome nem nada
porque nunca (te) tive amor assim
então não sei dizê-lo
nem nunca soube dizer-te
e nunca pudeste me ouvir
e aumentas a distância
toda vez que o pânico assoma
nas horas mudas
em que te procuro
percorrendo o meu sangue ...

Marcello Pelotas/RS (1999)

Nos pátios atônitos de cérebros humanos
As formigas do tempo gastam suas horas de metal
Cavando galerias de nada, vazio e espera
E a aranha do esquecimento tece a sua teia silenciosa...

Entre tampas de vidro coloridos, 
fotos antigas e pedaços de carta rasgados 
e pequenos poemas de poetas menores
Atirados fora nos lixos da cidade
Tudo é imune, tudo é pupila e brilha no olho da luz.

Mas ainda assim, onde tempo corrói por baixo
Os pilares do espaço onde me fundo
E de onde extraio meus ossos e meus sonhos
 - meramente ouço gotas-palavras ...

Onde há esse rufar de tempo estranho 
em que não me sei 
e em que me sonho.

E nessa mínima raiz de escrita
poetar sem pressa e sem substância: 
o extravio de horas já gastas
na insensatez de andar aderido ao silêncio das palavras
e ao grito dos que nunca tiveram uma voz.

Marcello Pelotas/RS (terça-feira: 23h 20 min)
18/6/2008 21:17

Nesse noturno adiado


Nesse noturno adiado
que me devora o tudo: enormidão!
Enorme vagueia o teu nome
aliado aos vãos em que me vôo
nestas vinte paredes
em que te ouço pela febre dos loucos.

Talvez outro dia
(ou num sempre apenas estar)
queira eu saber de que te fazes
de que te pulsas e te vibras nessas mesmas palavras
em que não te toco...
Ou será que apenas dormes para o sono dos loucos?

Queria saber-te e por onde te esvais
Mas permaneço nesse silêncio das pedras.

Logo agora, quando o inverno chegou mesmo
com seu belíssimo frio pontiagudo
e eu te rumino pela pele
pelos olhos e pelos cristais
enquanto a noite te vomita em palavras.

Marcello - Pelotas/RS (05/junho/2007) reescrito em 17 de junho de 2009

eu, monolito


sou-tenso

fincado, dura raiz.
e, como uma
fera,
reteso e estaco.

em pegada
estranha
sulco e terra

ágil e pesado
passo
e silêncio

não é pesar
não
me saber

pois
rito, grito
em nada explico

não
me saberás
nunca a contento

e muito menos
mão à petala

mas,
garra

mãos de pedra.
Anderson Dantas, Nov/07, Ilha.

Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trêmulos de tão semelhantes serem

E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria

E esse fogo nu que me pesa
Torna a minha força suave e dura

Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.


(Paul Éluard, tradução de Antonio Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge)

Tristeza de ondas de pedra.





Lâminas apunhalam lâminas
Vidros quebram vidros
Lâmpadas apagam lâmpadas.

Tantos laços quebrados.

A flecha e a ferida
O olho e a luz
A ascensão e a cabeça.

Invisível no silêncio.

PAUL ÉLUARD, Algumas das palavras

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Chove En Santiago (Luar na Lubre)


Chove en Santiago
meu doce amor
camelia branca do ar
brila entebrecida ao sol.

Chove en Santiago
na noite escura.
Herbas de prata e sono
cobren a valeira lúa.

Olla a choiva pola rúa
laio de pedra e cristal.
Olla no vento esvaido
soma e cinza do teu mar.

Soma e cinza do teu mar
Santiago, lonxe do sol;
agoa da mañan anterga
trema no meu corazón.

Querida doncela


-Onde vas ti indo, querida doncela?
-Vou buscar leite señor, dixo ela.
Dúas rosas roxas, dous ollos negros
cheíños de barro, señor atópeme.

-Podo ir contigo, querida doncela?
-si, si o desexo señor, dixo ela.
Dúas rosas roxas, dous ollos negros
Cheíños de barro, señor atópeme.

-Cal é a túa dote, querida doncela?
-é como ti me ves señor, dixo ela.
Dúas rosas roxas, dous ollos negros,

Cheíños de barro, señor atópeme.

Luar na Lubre

Arde el Mar


Tierna luz de porcelana
tres estrellas en tu almohada
y la miel
y la miel de tu mirada

El misterio de tus manos
es aquel que el cielo extraña
y lo que el viento
lo que viento quiere ser

Nace un mundo cuando hablas
caen las hojas cuando callas
y en tus ojos vive un dios
La belleza está grabada
en tu espalda y en tus alas
Si caminas arde el mar... arde el mar

Llueve plata cálida
sobre el rio que bendices
y al llorar
crece un árbol de cristal
Cuelga el cielo de tus pies
y yo te enseñare a caer
se tu me invitas
tú me invitas a volar

Nace un mundo cuando hablas
caen las hojas cuando callas
y en tus ojos vive un dios
La belleza está grabada
en tu espalda y en tus alas
Si caminas arde el mar... arde el mar

Arde el mar, arde el mar...


Rosa Cedrón

Negra como pupila, como pupila sugando


Negra como pupila, como pupila sugando
Luz – amo-te, noite aguçada.

Dá-me voz para cantar-te, ó promadre
Das canções, em cuja palma há a brida dos quatro ventos.

Clamando-te, glorificando-te, sou apenas
A concha, onde ainda não calou o oceano.

Noite! Já gastei meus olhos nas pupilas do homem!
Encinera-me, negro sol – noite!



Marina Tsvetáieva (Caderno Russo I)
9 de agosto de 1916

Na mão, um pássaro que cala


 


Na mão, um pássaro que cala,
Teu nome – pedra de gelo na fala.
Um movimento de lábios, só.
Teu nome – quatro sons.
Uma bola em vôo apanhada,
Um guizo na boca, de prata.

Um seixo, atirado num lago calmo,
soluça assim, como te aclamo.
Ao leve tropel de casco noturno
Alto teu nome responde.
E o gatilho a estalar soturno
Lembra-o, em nossa fonte.

Teu nome – ah, não consigo! –
Teu nome – um beijo no ouvido.
No gelo terno de pálpebras rígidas,
Da neve é o beijo no mundo.
É um gole de fonte, azul e frígido.
Em teu nome – o sono é profundo.



15 de abril de 1916

Marina Tsvetáieva
(traduções de Aurora Bernardini)

Encontro





Vou chegar tarde ao encontro marcado,
cabelos já grisalhos. Sim, suponho
ter-me agarrado à primavera, enquanto
via você subir de sonho em sonho.

Vou carregar esse amargo – por largo
tempo e muitos lugares, de penedos
a praças (como Ofélia – sem lámurias)
por corpos e almas – e sem medos!

A mim, digo que viva; à terra, gire
com sangue no bosque e sangue corrente,
mesmo que o rosto de Ofélia me espie
por entre as relvas de cada corrente,

e, amorosa sedenta, encha a boca
de lodo – oh, haste de luz no metal!
Não chega este amor à altura do seu

amor ... Então, enterre-me no céu!


Marina Tsvetáieva (Caderno Russo I)
(tradução de Décio Pignatari)

domingo, 14 de junho de 2009

SONETO LVI




Acostúmbrate a ver detrás de mí la sombra 
y que tus manos salgan del rencor, transparentes, 
como si en la mañana del mar fueran creadas: 
la sal te dio, amor mío, proporción cristalina. 

La envidia sufre, muere, se agota con mi canto. 
Uno a uno agonizan sus tristes capitanes. 
Yo digo amor, y el mundo se puebla de palomas. 
Cada sílaba mía trae la primavera. 

Entonces tú, florida, corazón, bienamada, 
sobre mis ojos como los follajes del cielo 
eres, y yo te miro recostada en la tierra. 

Veo el sol trasmigrar racimos a tu rostro, 
mirando hacia la altura reconozco tus pasos. 
Matilde, bienamada, diadema, bienvenida!


P. Neruda 


O nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar de inteligência sobre nós próprios.


Marguerite Yourcenar

Tombe la neige


Tombe la neige.

Tu ne viendras pas ce soir

Tombe la neige.


Et mon coeur s’habille de noir.
Ce soyeux cortège,
Tout en larmes blanches.
L’oiseau sur la branche
Pleure le sortilège.


“Tu ne viendras pas ce soir”,

Me crie mon désespoir
Mais tombe la neige,
Impassible manège.

Tombe la neige.
Tu ne viendras pas ce soir.
Tombe la neige.

Tout est blanc de désespoir.


Triste certitude,
Le froid et l’absence,
Cet odieux silence,
Blanche solitude.


“Tu ne viendras pas ce soir”,

Me crie mon désespoir
Mais tombe la neige,
Impassible manège. 


Salvatore Adamo

Acostúmbrate


Acostúmbrate a ver detrás de mí la sombra 
y que tus manos salgan del rencor, transparentes, 
como si en la mañana del mar fueran creadas: 
la sal te dio, amor mío, proporción cristalina. 

La envidia sufre, muere, se agota con mi canto. 
Uno a uno agonizan sus tristes capitanes. 
Yo digo amor, y el mundo se puebla de palomas. 
Cada sílaba mía trae la primavera. 

Entonces tú, florida, corazón, bienamado, 
sobre mis ojos como los follajes del cielo 
eres, y yo te miro recostado en la tierra. 

Veo el sol trasmigrar racimos a tu rostro, 
mirando hacia la altura reconozco tus pasos. 
Bienvenido amor de mi vida ** 


Pablo Neruda.

sábado, 13 de junho de 2009

Tú, Gitana - Luar na Lubre/Rosa Cedrón




Tu gitana que adivinhas
Me lo digas, poes no lo sê
Se saldre dessa aventura
Ô si nela moriré
Ô si nela perco la vida
Ô si nela triunfare
Tu gitana que adivinhas

Me lo digas, poes no lo sê

Composição: José Afonso

http://www.youtube.com/watch?v=gZ_p8KrelTM&feature=related

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Quem sou eu

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Pelotas, RS, Brazil
Quem sou eu? Pois começo a pensar: como Leolo, não o sou, porque eu sonho. Parce que moi, je rêve. Je ne le suis pas. Abdico do reinado de ser para estar um rio: um poderoso rio castanho, taciturno, indômito e intratável... O aroma das uvas sobre a mesa de outono. O seu estuário onde a estrela-do-mar, o caranguejo e o espinhaço da baleia são arremessados para a pulsação da terra. Tudo tange e vibra. Fora isso, há esse tempo de agora, ex nihilo, mastigando algum pedaço de silêncio enquanto a poesia vibra. Desse mim, não há muito o que dizer, mas certamente há muito o que inventar.

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