As palavras são como vinho, é preciso beber para sabê-las. Mas, não é tão simples, é preciso antes aprender a bebê-las, degustá-las,descobrir os seus becos, seus meandros, seus aromas secretos de palavras, saber esperar a sua hora minúscula, oculta, seus caramelos congelados que esperam a chegada da primavera para transformar-se de novo em palavras pétreas e poder significar.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O MISTÉRIO DAS ORAÇÕES




Na minha família
as orações eram ditas em segredo,
suavemente, murmuradas sob cobertores por
narizes obstruídos,
um suspiro antes e um suspiro depois
finos e estéreis como um curativo.

No exterior da casa
havia apenas uma escada de madeira
para subir, encostada à parede durante todo o ano,
pronta a usar em Agosto para reparar as telhas antes das chuvas.
Nenhum anjo subiu
e nenhum anjo desceu –
somente homens sofrendo de ciática.

Oravam para obter um vislumbre Dele
na esperança de poder renegociar contratos
ou adiar prazos.

"Senhor, dai-me força", diziam eles
pois eram descendentes de Esaú
e tinham que se contentar com a bênção
deixada por Jacob,
a bênção da espada.

Em minha casa, rezar era considerado uma fraqueza
como fazer amor.
E tal como fazer amor
era seguido pela longa
noite fria do corpo.

Sara Poisson (poesia Lituana) 

Tengai - Sara Poisson

Tengai *


Hoje vi um novo hieróglifo da beleza:

o mar e o vento balançando quatro enforcados.

O gosto amargo na boca. O corpo de chita branca

num arbusto como se fosse a diversidade capitulada.


Os novos casos instrumentais do azul e o areal:

o mar de chapéus, os senhores, as pequenas clareiras desenhadas nas

toalhas, as mulheres com bordados

nas mãos, as crianças com os lábios pintados.


Na palavra, dilacera uma letra doente como se latisse

a chama, atada à vela que está a esgotar-se.

O veneno de língua: virei todo o mundo

para ver a vírgula de fogo que está a tremer.


Vi uma pessoa cuidadosa e barriguda: nela

o sinal anguloso foi começado com inocência,

significou a dor, festim e brilho

sem apagar-se.


Os curativos sujos: o pé amarelo da menina

está a tornar-se num lírio. Dois homens estão a mijar

com as costas para o caminho que junta as duas cidades

grande e pequena.


Cada nome tem uma letra

raivosa.




* Na China, esta palavra significa “amor de mãe”. Esta palavra escreve-se com os dois hieróglifo: um significa a dor, outro o amor.



(tradução e interpretação: Valerija Sinkevičiūtė e Nuno Guimarães)

SARA POISSON é o pseudónimo de Rasa Čergeliene: poetisa, escritora, ensaísta e fotógrafa. Nascida em 1964 em Plinkses na região de Mazeikiai na Lituânia, formou-se em jornalismo na Universidade de Vilnius, em 1990. Publicou três livros de poemas: Nelygybė [Desigualdade] em 1999, Kūno išganymas [Corpo de Salvação], em 2002, e Pasienis [Fronteira], em 2006, bem como um volume de contos, Šmogus [Ser Humano], em 2005 e um volume de ensaios, Čiupinėjimo malonumas [Prazer de Tocar], em 2007. Já neste ano de 2011, publicou um novo romance com o titulo Šabaš [Sabat]. Os seus poemas e contos foram traduzidos para inglês, alemão, holandês, polaco, ucraniano, bielorrusso, russo e georgiano. Como fotógrafa, organizou várias exposições individuais e participou em vários projectos de fotografia. Dois dos seus livros foram ilustrados com as suas próprias fotos. Sara também trabalhou como editora de documentários de televisão e rádio, como repórter do principal jornal diário lituano, Lietuvos Rytas, e como especialista em relações públicas. É membro da União dos Escritores da Lituânia desde 2003. Mora em Mazeikiai, uma pequena cidade perto do Mar Báltico.


 (postagem original   no blog "Poesia Ilimitada". Disponível em: http://poesiailimitada.blogspot.com/search/label/-%20Poesia%20lituana ) 

Quem sou eu

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Pelotas, RS, Brazil
Quem sou eu? Pois começo a pensar: como Leolo, não o sou, porque eu sonho. Parce que moi, je rêve. Je ne le suis pas. Abdico do reinado de ser para estar um rio: um poderoso rio castanho, taciturno, indômito e intratável... O aroma das uvas sobre a mesa de outono. O seu estuário onde a estrela-do-mar, o caranguejo e o espinhaço da baleia são arremessados para a pulsação da terra. Tudo tange e vibra. Fora isso, há esse tempo de agora, ex nihilo, mastigando algum pedaço de silêncio enquanto a poesia vibra. Desse mim, não há muito o que dizer, mas certamente há muito o que inventar.

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