As palavras são como vinho, é preciso beber para sabê-las. Mas, não é tão simples, é preciso antes aprender a bebê-las, degustá-las,descobrir os seus becos, seus meandros, seus aromas secretos de palavras, saber esperar a sua hora minúscula, oculta, seus caramelos congelados que esperam a chegada da primavera para transformar-se de novo em palavras pétreas e poder significar.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Amor de amar


Dispo-me dos pudores da forma
coloco meu ouvido no teu peito
e deixo-me levar
na emoção de quem procura
teu rosto na sombra
e te purifica te revela
te orvalhece te incendeia
e comparece em ti
com estas palavras
trazidas da alma

Se chegarei à poesia
não o sei
apenas escrevo estas linha na água
para brilhar no céu
um dia
recolhidas pelas nuvens
ou espremidas a longo véu das chuvas

Agora desliza minha mão
a auscultar a memória da tua pele
a viver nela o tempo impensado
dos navios perdidos
viver na tua pele
todos os naufrágios
e renascer na palma
do amanhecer
Agora a vida é renascer
sempre em ti

Um pensamento fugidio
às festas da aurora
é teu nome em meu coração
a romper o silêncio
um risco de luz
transfigurado em tua face
é meu guia
e seguirei
cuidadoso
como um cão
e seguirei teu cheiro
pela noite imensa da paixão

Seguirei
até que te convertas
na própria tinta das palavras
e venhas a escrever
desde esta janela de espanto
que é o mundo
luz redonda de infinito

Seguirei contigo
ainda que estejas longe
e te desfaleças
noutra solidão
noutro minuto de esperança
e te consideres ausente
como são ausentes as distâncias
mas te chamarei baixinho
para te estelar
nas proximidades mais íntimas do amor
Para te estelar
na longitude dos espaços
das geografias
que o amor tem outro calendário
outro itinerário
E és tu, namorada,
que me dás a música dos versos

seu rebentar na carne

Luiz de Miranda

domingo, 4 de janeiro de 2009


Todas las palabras que digo están manchadas.

Digo aire
y viene uma sombra
digo sueño
y se me pega a los lábios da hiel
digo árbol
y oigo gemir al olvido
digo río
y suenan risas sin bocas
digo piedra
y se apaga el sonido
digo cielo
y se marchita el color
digo pájaro
y oigo ruídos de cosas que se arrastran
digo viento
y pasan ciclos de ceniza
digo nube
y vuelan junto a mi palomas tristes
digo tiempo
y se abre la noche bajo mis pies
digo hombre
y em la voz se me hiela el anhelo
digo madre
y escucho solo el lejano batir del mar
digo amor
y me duele
digo libertad
y no entiendo
digo muerte
y cresce, se me enrosca em los cabellos
intacta uma flor.
Las otras palabras,
Todas las palabras que dije antes,
Estaban manchadas



Luisa Pasamanik - Argentina

Palabras degolladas




Palabras degolladas,
caídas de mis labios
sin nacer;
estranguladas vírgenes
sin sol posible;
pesadas de deseos,
henchidas... 

Deformadoras de mi boca
en el impulso de asomar
y el pozo del vacío
al caer...
Desnatadoras de mi miel celeste,
apretadas en vosotras
en coronas floridas. 

Desangrada en vosotras
—no nacidas—
redes del más aquí y el más allá,
medialunas,
peces descarnados,
pájaros sin alas,
serpientes desvertebradas...
No perdones,
corazón.

Alfonsina Storni

De Mundo de siete pozos, 1934


HORA ABSURDA



O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas…
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso…
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso…

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte…
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto…
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia…, e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte…
Abre todas as portas e que o vento varra a ideia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões…
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões…
Chove ouro baço, mas não no lá-fora… É em mim… Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela…
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora…
No meu céu interior nunca houve uma única estrela…
Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto…
A chuva miúda é vazia… A Hora sabe a ter sido…
Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!… Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido…
Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é boa nem má.
Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos…
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas…
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas
E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos…
Ah, como esta hora é velha!… E todas as naus partiram!
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
De Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam…
O palácio está em ruínas… Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo… Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquele lugar-Outono…
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada…
A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas…
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos candelabros…
E que querem ao lado aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?…
Porque me afligo e me enfermo?… Deitam-se nuas ao luar
Todas as ninfas… Veio o sol e já tinham partido…
O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar,
E a ideia de a tua voz soar a lira de um Apolo fingido…
Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora…
As próprias sombras estão mais tristes… ainda
Há rastos de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que eco de passos pela alameda que eis finda…
Todos os ocasos fundiram-se na minha alma…
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios…
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um porto sem navios…


Ergueram-se a um tempo todos os remos… Pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar… Em frente
Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras…
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente…
Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
Todas as princesas sentiram o seio oprimido…
Da última janela do castelo só um girassol
Se vê, e o sonhar que há outros pões brumas no nosso sentido…
Sermos, e não sermos mais!… Ó leões nascidos na jaula!…
Repique de sinos para além, no Outro Vale… Perto?…
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula…
Porque não há-de ser o Norte o Sul?… O que está descoberto?…
E eu deliro… de repente pauso no que penso… Fito-te
E o teu silêncio é uma cegueira minha… Fito-te e sonho…
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho…
Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdê-lo?…
Ah, deixa que eu te ignore… O teu silêncio é um leque -
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque…
Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os paitos…
Murcharam mais flores do que as que havia no jardim…
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim…
Alguém vai entrar pela porta… Sente-se o ar a sorrir…
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgena que tecem…
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há-de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem…
É preciso destruir o propósito de todas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,
Endireitar à força a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras…
Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!…
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã - como nos desalegra!…
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra…
Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce…
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito…
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito…
Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!…
Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!…
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia baptismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema - Vitória!
O que é que me tortura?… Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos…
Não sei… Eu sou um doido que estranha a sua própria alma…
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos…


Fernando Pessoa

Quem sou eu

Minha foto
Pelotas, RS, Brazil
Quem sou eu? Pois começo a pensar: como Leolo, não o sou, porque eu sonho. Parce que moi, je rêve. Je ne le suis pas. Abdico do reinado de ser para estar um rio: um poderoso rio castanho, taciturno, indômito e intratável... O aroma das uvas sobre a mesa de outono. O seu estuário onde a estrela-do-mar, o caranguejo e o espinhaço da baleia são arremessados para a pulsação da terra. Tudo tange e vibra. Fora isso, há esse tempo de agora, ex nihilo, mastigando algum pedaço de silêncio enquanto a poesia vibra. Desse mim, não há muito o que dizer, mas certamente há muito o que inventar.

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