As palavras são como vinho, é preciso beber para sabê-las. Mas, não é tão simples, é preciso antes aprender a bebê-las, degustá-las,descobrir os seus becos, seus meandros, seus aromas secretos de palavras, saber esperar a sua hora minúscula, oculta, seus caramelos congelados que esperam a chegada da primavera para transformar-se de novo em palavras pétreas e poder significar.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A pequena praça




 

A minha vida tinha tomado a forma da pequena praça
Naquele outono em que a tua morte se organizava meticulosamente
Eu agarrava-me à praça porque tu amavas 
A humanidade humilde e nostálgica dos pequenas lojas 
Onde os caixeiros dobram e desdobram fitos e fazendas 
Eu procurava tornar-me tu porque tu ias morrer 
E a vida toda deixava ali de ser a minha 
Eu procurava sorrir como tu sorrias 
Ao vendedor de jornais ao vendedor de tabaco 
E à mulher sem pernas que vendia violetas 
Eu pedia à mulher sem pernas que rezasse por ti 
Eu acendia velas em todos os altares 
Das igrejas que ficam no canto desta praça 
Pois mal abri os olhos e vi foi para ler 
A vocação do eterno escrita no teu rosto 
Eu convocava as ruas os lugares as gentes 
Que foram as testemunhas do teu rosto 
Para que eles te chamassem para que eles desfizessem 
O tecido que a morte entrelaçava em ti


Sophia de Mello Breyner Andresen

Imagens: Marcello - Piratini/RS em 05 de 06 de 2010. Corticeira-do-banhado (Erythrina crista-galli L.) imagens 1 e 2 e Aroeira-cinzenta (Schinus lentiscifolius Marchand) imagem 3

Um comentário:

  1. Pirata

    Sou o único homem a bordo do meu barco.
    Os outros são monstros que não falam,
    Tigres e ursos que amarrei aos remos,
    E o meu desprezo reina sobre o mar.

    Gosto de uivar no vento com os mastros
    E de me abrir na brisa com as velas,
    E há momentos que são quase esquecimento
    Numa doçura imensa de regresso.

    A minha pátria é onde o vento passa,
    A minha amada é onde os roseirais dão flor,
    O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
    E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

    Sophia de Mello Breyner

    Bjs:)

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Quem sou eu

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Pelotas, RS, Brazil
Quem sou eu? Pois começo a pensar: como Leolo, não o sou, porque eu sonho. Parce que moi, je rêve. Je ne le suis pas. Abdico do reinado de ser para estar um rio: um poderoso rio castanho, taciturno, indômito e intratável... O aroma das uvas sobre a mesa de outono. O seu estuário onde a estrela-do-mar, o caranguejo e o espinhaço da baleia são arremessados para a pulsação da terra. Tudo tange e vibra. Fora isso, há esse tempo de agora, ex nihilo, mastigando algum pedaço de silêncio enquanto a poesia vibra. Desse mim, não há muito o que dizer, mas certamente há muito o que inventar.

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