As palavras são como vinho, é preciso beber para sabê-las. Mas, não é tão simples, é preciso antes aprender a bebê-las, degustá-las,descobrir os seus becos, seus meandros, seus aromas secretos de palavras, saber esperar a sua hora minúscula, oculta, seus caramelos congelados que esperam a chegada da primavera para transformar-se de novo em palavras pétreas e poder significar.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Destelar-se...
...mas fica ainda, aquilo
que não se soube dizer
delírio insano, desespero, pânico?
Não se soube ...
Há sim, o que houve
de onde descanso da loucura do mundo
do viver humano:
miséria e desatino contra os muros
- um grito no absurdo -
feito de todas as minhas células
do que morre em mim
e do que em mim renasce pulsante
feito de espera e inquietação
gemendo azúlea
na comunicação distinta
das falas da turba
e vem dessa imagem
mistura de ser, haver e estar ...
Grave e silente
o som sepulto da palavra
geme nas almas da pele
abafada, a palavra só, esquisita
cheia de transitoriedades
e quis saber de si, quis dizer-se, aflita ...
Mas o que se está por dizer
não tem nome, nem forma, nem cor
e é feita de tanto, e de sons primitivos
decepados do silêncio das coisas
e do que me leva entregue
ao pulsar nas têmporas
e no lodo primitivo, pátio da casa vazio
grama esmaecida, praia solitária
e o estraçalhante batel das águas do mar
nas pedras da orla
e o sufocante abismo das águas
e a vertigem das alturas, o vento e o chão
da convulsão do caos ao calor do nada.
E a palavra fria aquecendo-se em mim...
E habita além, ainda
em outros mundos, noutra vida, noutros olhos
e na semente da árvore envelhecida
caindo no chão e secando no outono
como as mágoas: frutas podres no vazio da espera ...
O que é feito da palavra?
... nasce em cinco estações
navega nos trilhos do acaso
morre em todo o abandono
e levita em corpo transparente
de opatidez irrelevada, latescente
lúgubre ?...
Inexprimível é a palavra que urge, que urra
só, sem nome nem nada
porque nunca (te) tive amor assim
então não sei dizê-lo
nem nunca soube dizer-te
e nunca pudeste me ouvir
e aumentas a distância
toda vez que o pânico assoma
nas horas mudas
em que te procuro
percorrendo o meu sangue ...
Marcello Pelotas/RS (1999)
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Quem sou eu
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- Quem sou eu? Pois começo a pensar: como Leolo, não o sou, porque eu sonho. Parce que moi, je rêve. Je ne le suis pas. Abdico do reinado de ser para estar um rio: um poderoso rio castanho, taciturno, indômito e intratável... O aroma das uvas sobre a mesa de outono. O seu estuário onde a estrela-do-mar, o caranguejo e o espinhaço da baleia são arremessados para a pulsação da terra. Tudo tange e vibra. Fora isso, há esse tempo de agora, ex nihilo, mastigando algum pedaço de silêncio enquanto a poesia vibra. Desse mim, não há muito o que dizer, mas certamente há muito o que inventar.
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