“Se é que vou entrar no deserto
desde já quero estar só”
Luis Borges
I
Compor tua imagem
dissolvida pelo vigor do real
que invade o muro do silêncio
à minha volta
e dilui o ouvir-te.
Ser em ti o que penso ser -
a virtude do encontro
na raiz de palavra que dissoluo
em tua espera.
Um antigo mirar imerso em mim
pensa ver-te daqui
e quer te seduzir ...
Não és aqui senão
o outro de mim ...
senão eu próprio irrealizado
pele imortal do desejo
jogo de sombra e luz
inconsciente ...
Não és aqui senão
o manifesto de um sonho
um papiro antigo
pedaço amortalhado talvez
das fraturas do que sou
a busca do que dele emana
e me foge
quando me vejo espelho
à fímbria luz das essências
convertido em nomes ...
II
No mundo escuro dos presságios
onde as coisas não estão ainda bem nascidas
componho a tua falta:
vômito de ausência.
Não és ainda ...
e deságuas em mim
como penso ser-te
pois que desejo o desejar em ti
com meu sangue como fosse tinta
com o azul triste dos teus olhos
como fosse meu último refúgio.
III
Cada palavra pronunciada, protegida
recua e se volta sobre si mesma
deslocada, vence o inimigo que não temos
o veio dos nossos receios.
Como se tão bem falássemos
e pudéssemos falar
com a cabeça descoberta e nus
na grande terra em nossa volta.
Como se pudéssemos dizer
mas somos semblantes enevoados, faces duras
esculpidos pela luz do incêndio
fraco do entardecer.
Que assim nos ocultamos todos
na atmosfera simbiótica
dos encontros e da distância
sem gesto, sem esforço, só olhar ...
Cada palavra pronunciada
cada lágrima que derruba
a solidão do mistério
cada olhar, cada mão ...
serão os aldeões da
grande tempestade da vida.
Serão o que se possui
movimentos onde tudo repousa
e o vôo é paz...
prisioneiro desde então
da criação e seu brinquedo.
IV
E a tua presença...
...vista aqui do meu silêncio
te descubro terra desolada
e vejo-te deserto:
espaço nítido onde dilui-se
a minha inquietação
minerando nas sombras lentas
da tua imagem quase viva.
Queria encontrar tua presença...
esfolhando o vento ou
partindo o signo gris do céu.
Caminhando dentre
tuas areias macias
ou os sons confusos da tua fala.
Mas preso ao alvo de teus silêncios
tuas vibrações me tocam
como um pássaro cansado
e dou-te de beber, dou-te o descanso...
e ficas aqui sob o céu sem estrelas
a brilhar na minha mão
como se fosses a única luz
onde a noite se sente aquecida
e os animais do sonho
dormem tranqüilos.
Então sobrevôo o que dizes e
suspendo-me agarrado
às tuas palavras, teu cheiro
e as águas concêntricas do teu olhar
movimentando-se azuis
engolindo meu desespero humano.
V
Mas caem dos meus dedos as palavras
e fico a te olhar apenas
afogado em meu silêncio
explorando tua superfície
com a fisionomia dos assombros
evaporando-se do olhar que te aproxima.
Aqui, onde sempre encontrava o mundo
invariável como as faces da tristeza
com o receio de algo impreciso
a tragédia abate-me
com o vento de suas asas gigantes
e tomba-me, transporta-me
para além do limbo do tempo.
Perdido o caminho
disperso no trajeto do acaso
me evadindo sempre na mesma
e impossível volúpia...
Fico a admirar tua
imagem confusa
desmanchando-se em meio às
paredes de luz tombadas
e a noite vindo beber na minha mão
as palavras que o silêncio açoitou
diante à tua grande presença.
Marcello - Pelotas/RS (Outubro de 1996)
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